segunda-feira, 30 de julho de 2012

Será que faz sentido?


Já foste os três:
O meu –melhor- amigo.
Enquanto a língua batia
E os braços arfavam,
Os sonhos da criança eram os mesmos
-- E outros
Mas eram todos nossos.

Já foste os dois:
O meu- amigo.
Enquanto a carapaça de preconceitos
E a existência de problemas
Atingia-nos num degradê quase comum de sentimentos
O bater do coração acalmava os sentidos
Aqui dentro.

Já foste um:
O meu.
Enquanto sonhava alto lá daquela montanha
Éramos um só
Pois numa dança da língua já se falava
O seu sorriso apimentado,
Seu pé e sua cabeça.
Saudades.
Será que um dia a gente recomeça?

Árvore Amarela

Duas palavras martelando a mente, e três o coração. O sentimento virou recalque. Naquela árvore da qual brotavam as mais belas flores ficaram as folhas amareladas da dor sem fim, meu querido. Para minimizar o entorpecido sentido, talho com o maior cuidado desenhos de flores em cada uma das folhas. Mas não é eficiente tampar uma cena com um vidro transparente. A vida do artista é dura, não pelo personagem em si, mas por ter a capacidade de sentir tudo mais intensamente. E somos todos potencialmente artistas, alguns exploram sua arte e outras a negam. Então é como dizer que a vida é dura pela sua intensidade. É dura por que hoje não sabemos o que iremos sentir no fim do dia e nem sabemos se amanhã de fato será um novo dia ou se será o mesmo, mas com luz diferente. E como um castelo de cartas, frágil, colocam-se na base as incertezas, sujeitando a vida a um leve sopro. O tempo vai passando e os parênteses se fecham e abrem: o rosto se adapta para escoar as lágrimas, o castelo cai e se reconstrói, mas a árvore continua sempre igual. Só que o amarelo te parece cada vez mais simpático, não é?

Trans




"elemento de formação de palavras que exprime a ideia de além de, para além de
                                              Infopedia - dicionário de Língua Portuguesa "



Durante toda a nossa vida a gente costuma ouvir algumas coisas de maneira repetitiva: "No fim tudo vai dar certo", "Na hora você simplesmente vai saber", "Relaxa que vai ficar tudo bem", "No futuro você vai ver que as coisas não foram tão graves quanto você achou na época em que as vivia" e assim por diante. Mas eu acredito que nada disso serve, pelo menos nunca serviu para mim. De que me adianta saber que tudo vai ficar bem se eu não to bem agora? E de que adianta saber que no futuro eu vou olhar para tudo isso de forma diferente? Eu to vivendo AGORA.
A questão é essa, eu to vivendo agora. E tenho o direito de sofrer, de rir e de chorar de emoção e de sentir saudades. Tenho o direito de amar e querer ser amada, e tenho o direito de querer sair abraçando meus amigos quando estou triste e confusa. A gente tem que transviver. Um verbo que particularmente eu pretendo passar a utilizar bastante. Quer dizer viver além de, através de, para trás de. Ouvir o batimento do coração e transformá-lo num beijo ou abraço ou numa atitude um quanto imprudente. Por que vida a gente só tem uma, pelo menos da qual a gente lembra. 
E o amor? O amor é quase sinônimo de transviver. É você se sentir imbatível só de estar com alguém especial, ou com amigos ou até com sua família (seja numa festa ou num jantar de domingo). É você saber que o que acontece na sua cabecinha que te faz sofrer pode acabar num piscar de olhos, basta amar. É ir além de frases piegas e clichés ridículos por que você sabe que no final o que vale de verdade é o tum-tum acelerado dentro do seu peito, debaixo da carne e ossos. 
Viver sem medo é impossível, mas a gente tem que tentar ultrapassá-lo. A gente não pode deixar ele amarrar a gente a um sentimento recalcado, ou a um arrependimento, ou até a um tempo que não vai voltar. A vida é curta demais para gente se travar com o medo. A gente tem que se arriscar e tem que ser jovem mesmo sendo velho. A gente tem que ter tempo para gente e para todo mundo que a gente ama. A gente tem que viver o AGORA. O futuro ninguém sabe. A vida é curta demais para a gente se dar o direito de ser infeliz. Não to falando de ESTAR infeliz, mas sim de assumir uma identidade de infelicidade. Isso só vale a pena se a gente não ama ninguém ou alguma coisa.
Os tempos da infância eram sim mais simples, os cadernos eram para desenhos de cavalos verdes e os amores não passavam de briguinhas que duravam 3 minutos. Mas e quando a gente amadurece? Será que é de todo ruim? É ruim por que na hora do aperto a gente só pensa no lado ruim de ser mais velho. A gente esquece que também tem lado bom: tem a experiência, tem os amigos que a gente fica cada vez mais próximo, tem as paixões, as viagens, as palavras e muito mais. Agora a gente tem novas ferramentas, tem como transformar o amor em sexo, tem como confiar e dar confiança, tem como se arriscar em novas aventuras (muitas vezes proíbidas), tem como recomeçar e saber (ou não) o que a gente tá fazendo.
A gente tem que aprender a ir além do que nos permeia, ir além do costume e da rotina. A gente tem que transviver, tem que renovar e tem que ser. Nunca deixar de ser quem a gente é: um combo de coisas boas e detestáveis. Nunca deixar de amar, seja a nós mesmos ou a qualquer outra coisa. Afinal, de que vale a vida sem amores?

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Peça

As cortinas se abriram,
palmas entraram
maquiagem e figurino
lindo cenário
faces belas...
Mas de que adianta
se a peça está mal ensaiada?
A garvata solta
sufoca e fere a garganta
Os lábios desenquadrados
de batom vermelho
no corpo nu
na testa
e na pele.

As roupas invisíveis
recobrindo a chuva
e recíprocamente
molhadas.

Dois sexos em um.

Pessimismo?

Onde dormem os inocentes
cambaleantes no trapézio do mundo
com rede invisível, furada,
cegados pelos sonhos que são
produtos do bastão do otimismo?

Onde repousam as cabeças
vazias de vontade e ação
que alimentam utópicamente
o dragão carnívoro do sistema
com vegetais crus?

Onde descansam as armas
e a pólvora amarga
de preconceito
que move a máquina destruidora do mundo?

Onde estamos realmente
se não na esfera incandescente
povoada por inúteis e alguns egoístas
destruidores do que ainda resta?

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Eufemismo

E ainda derramo minhas lágrimas por ti,
e dói o peito
sem jeito
que se torce e contorce
em uma palavra:
saudades.

Entalpia


Você entra na sala disposto a deixar o relógio do lado de fora, mas o mau humor acumulado no dia ainda repousa nas suas têmporas arqueando levemente suas sobrancelhas.  Sentado no seu tapete você delimita seu espaço, ciente e sedento por explorá-lo com todo seu corpo - esticando, dobrando, sentindo.  Durante aquele momento você tenta se desapegar do material, do corpo, das dores. Sentindo aquele calor - que no momento é só calor, mas depois você percebe que é energia dissipada - você tenta se esquecer da dor dos seus músculos e do fiozinho de cabelo que dança na sua pele suada da nuca.  E a cada movimento um pequeno pedaço do seu corpo se transparenta, transparecendo cada vez um pedacinho maior de alma. Ninguém te olha, ninguém te julga, inclusive você mesmo passa a se aceitar. O mundo lá fora continua e você nem se dá conta de que ele existe.  Aquele momento é seu e só seu, você percebe. Sua mente escapa do seu corpo pairando sobre algum problema, sobre situações cotidianas, mas cabe a você trazê-la de volta àquela paz que você mesmo esta a construir. Mas a dor no abdômen, os braços espasmáticos e o suor são obstáculos difíceis, nunca te impedindo de tentar esquecê-los. Ou abraça-los. Você deita no próprio eixo embalado por endorfina, ar, música, chuva. Seus músculos faciais repousam na sua pele pálida e contorcem-se em canais para drenar as lágrimas. E as lágrimas coreografam o sentimento, que não se pode pensar apena sente-se.  O esboço de um sorriso aparece e o calor vai sumindo, permanecendo apenas o conforto da própria sensação e o arrepio do perdão. Você se perdoa, se aceita e recebe de você pra você mesmo aquela energia presa. A mente larga a chave da energia crescente que agora como uma áurea banha teu corpo. E aí você percebe que o que cai dos seus olhos não são lágrimas. São pedaço de alma que agora notam que o importante é o presente, não o que foi e nem o que virá. 

Antropofagia



Quem trouxe a fome
Que corrói a pele e carcome
Os insaciáveis lábios?

Quem espalhou a solidão
Tão só quanto a dor
Que leva almas inocentes?

Quem decidiu que os vermes são as células de uns e não de outros?

Quem definiu que o capital
Vale mais ou tanto
Quanto o corpo?

Quem disse que se pode explorar
Por causas injustas
E lucrar em cima de sangue?

Quem criou o ódio se não o próprio homem?

Somos poucos os que restam
Que usam lentes para ver a realidade,
Que não escondem os sentimentos e que não aceitam a eloquente desonestidade.

Somos poucos, restam poucos
Que enxergam o sangue dos bancos, das bombas e dos canais do mundo
Que nada mais são do que a dor que transpassa a vida recheada de vagabundos.

Somos poucos, restam nada
Que estamos moribundos
Que somos as verdadeiras estrelas do planetário do mundo
Que se torna uma cúpula de plantas contendo carnívoros.
Assim surge o canibalismo:
A única razão da humanidade. 

Bem-vindo

A poesia não reside nas palavras... Reside nos fatos, no mate, na praia, no medo, no tempo, na dor, na alegria, na tristeza, nas paisagens, na música, na cultura, nas estrelas... Mas por falta de recursos, transformo-a em palavras.